O David Brooks, comentarista conservador bastante inteligente do NYT, escreveu um artigo dizendo que a economia americana não vai tão mal, não. Não sou assinante do Times Select (infelizmente), por isso não tenho acesso ao artigo inteiro. Muita gente falou mal (vejam a lista no Hermenauta), e o Tyler Cowen defendeu. Vi um resumo do artigo no FYI e comentei lá, quem quiser ver dê uma passada (e aproveite para ler os outros posts do blog).
Agora, tem um argumento que eu já vi feito em outros lugares e que eu tenho que criticar na frente de todo mundo. É o seguinte: certo, a desigualdade nos EUA subiu, mas o fato é que os mais ricos estão trabalhando muito mais horas por semana, enquanto que os pobres têm mais horas de lazer. Ou seja, os ricos estão ganhando mais porque trabalham mais.
O argumento é falso, pois:
Não há Cristo que me prove que os retornos para cada hora adicional de trabalho são os mesmos para pessoas em diferentes pontos da curva de renda. Se você é pago por hora, seu rendimento vai crescer linearmente a cada hora que você trabalhar a mais: assim, se você ganha 1 dólar por hora e trabalha mais uma hora, você ganha 1 dólar a mais. Se trabalhar 8 horas a mais (por exemplo, o sábado inteiro), seu salário cresce 8 dólares (e seu fim de semana vai pro saco). Por outro lado, se você é pago por rendimento, 8 horas a mais podem ser a diferença que vai permitir a você atingir uma meta da empresa e ganhar um bônus que pode dobrar seu salário.
Ou, dito de outra forma: se o mesmo prêmio fosse oferecido aos mais pobres, eles trabalhariam tanto quanto os ricos. A menos que se refute essa afirmação, o argumento citado pelo Brooks não se sustenta.
Logo: QUANDO SE FALA DE DIFERENTES CLASSES SOCIAIS, as horas trabalhadas são CONSEQUÊNCIA de se ter empregos bons que pagam bem. Não devemos utilizá-las, portanto, para explicar o quanto se ganha. Claro, dentro de cada classe - onde a relação hora/rendimento é mais ou menos a mesma - usar a variável é perfeitamente legítimo.
PS: hoje os links para o FYI e para o Cowen devem entrar aí do lado.
Friday, July 27, 2007
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6 comments:
Sou leitor antigo do blog do Paulo. É um dos melhores na minha opinião.
E a discussão está boa... Só uma coisa, o argumento do cara não é falso, ele pode muito bem dizer que você está se baseando numa relação utilitarista de prazer-trabalho ou felicidade-trabalho, que, covenhamos, não dá para calcular. Quantitativamente o cara só mostrou uma estatística que não pode ficar ociosa no meio de tantos outros dados.
Eu sei que há muito mais por trás dos números. O fator humano não pode ser descontado, mas não pode ser medido. Sua afirmação me parece irrefutável, mas não sei o impacto que ela tem realmente. Não estou certo se fui claro, você entendeu o meu ponto de vista?
Abs,
Sem contar que, como o Paulo disse, se a situação dos pobres de lá já era boa (se compararmos com o resto do mundo), hoje está ainda melhor. Não melhorou tanto quanto a dos mais ricos, mas melhorou.
Eu acho, depois me explico melhor, que a tendência é que essa melhora dos ricos também reflita mais cedo ou mais tarde nos mais mais pobres (novos serviços, renda e salários relativamente mais altos). Fica para depois um comentário melhor sobre isso tudo.
Obrigado pelo post e elogios. Ja linko para seu blog ha um tempo, muito bom.
Vc provavelmente esta certo, apesar de que na vida real a equacao eh um pouco diferente. A maioria das pessoas que trabalham em low paying jobs recebe hora extra enquanto as que trabalham em high paying jobs nao. Logico que no final a possibilidade de eu ser reconhecido pelo meu esforco extra provavelmente vai pagar mais do que as horas extras do low paying job.
Esse tipo de discrepancia pode explicar sim o aumento da inequalidade, e a questao novamente eh: E ai? O que fazer?
Por isso que te disse la no meu blog que economicamente nao eh um problema. Eh uma questao 'social' ou filosofica, however you wanna call it.
[]s
RDC e Paulo, valeu pela audiência qualificada. Pois é, daí em diante o debate é mais filosófico, mesmo. Agora, que essas coisas são interessantes, são.
Vocês se surpreendem com cada coisa. Vejam, o Camarada Lênin já o disse, que no imperialismo, etapa superior do capitalismo a tendência é concentrar, concentrar, concentrar. Os ricos ficam mais ricos, e os outrora ricos tornar-se-ão neoproletários.
O capitalismo é tão highlander quanto o Grande Guia e Líder das Vanguardas Proletárias de Todos Os Povos: there can be only one.
O viadinho do PSTU está, como çempre. Herrado. Se a tendência da estapa çuperior do capitalismo fosse concentrar, concentrar e concentrar, o Romário não existiria. O movimento obreiro-operário tem sempre um viadinho pra falar merda.
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