Thursday, August 09, 2007

Livraço: "Divided Jerusalem", de Bernard Wasserstein



Estava procurando um livro sobre o conflito no Oriente Médio que fosse minimamente equilibrado, e esse pareceu ser ele: é elogiado como tal pelo Independent e pela Economist, de maneira que achei que valia a pena. E valeu. É realmente excelente.

O livro é uma história da cidade de Jerusalém do ponto de vista diplomático. Isto é, não é uma discussão religiosa sobre quem tem direito a que pedaço da cidade ou da Palestina. Não vou resumir, só recomendar que alguma editora tenha a decência de traduzir. Vejam só algumas das coisas que eu não sabia:

1 - Talvez a coisa mais interessante do livro: o quanto cada uma das três religiões monoteístas variou em seu julgamento sobre a santidade de Jerusalém. Em geral, essas flutuações acompanharam as idas e vindas da política internacional. Nas três religiões - judaísmo, cristianismo e islã - sempre teve alguém dizendo que Jerusalém tinha que ser propriedade do seu próprio grupo. Mas hoje, por exemplo (meu, não do livro), quando a perspectiva de uma reconquista cristã é remota, não se vê gente nos jornais ocidentais exaltando a santidade da cidade e exigindo sua conquista.

O caso mais impressionante é o dos sionistas. Os sionistas eram fundamentalmente laicos, e tinham até um certo desprezo pela religiosidade dos judeus nativos da Palestina. Até estavam afim de ficar com Jerusalém, mas não jogavam todo seu peso nisso, não. A cidade deles era Tel Aviv, muito maior e cosmopolita. Aceitaram vários esquemas de divisão da cidade ou internacionalização até que o glorioso rei da Jordânia atacou Israel durante a guerra de 6 dias, sem a menor chance de ganhar. Como resposta, Israel invadiu Jerusalém e pegou pra eles. Daí em diante, e só daí em diante, Jerusalém passou a ser considerada o ponto central da identidade nacional israelense.

Os muçulmanos, por sua vez, decidiram mais ou menos tardiamente que Jerusalém era um lugar sagrado, em parte para inspirar o pessoal a ir dar porrada nos cruzados. Há no livro um relato de um soberano muçulmano que deu umas chicotadas em viajantes por acharem que eles estavam indo a Jerusalém como quem vai a Meca. Enfim, é claro que existem argumentos teológicos de todos os lados, mas eles aparecem com mais frequência quando tem disputa política na jogada.

2 - Durante a maior parte do último milênio, a grande briga religiosa em Jerusalém era entre Cristãos latinos e ortodoxos, que proporcionavam um bonito espetáculo periódico de monges saindo na rua pra bater em outros com pedaço de pau. As potências ocidentais se revezavam pela proteção dos peregrinos cristãos, com Veneza, do lado dos latinos sendo sucedida pela França, que ainda chegou a ser contestada pela Itália depois da unificação. Entre os ortodoxos brigavam gregos e russos (brigam até hoje, e, aliás, brigaram inclusive durante o período soviético). O Kaiser alemão bolou um negócio impressionante: um bispado comum luterano/anglicano, que ele sonhava ser a base de uma aliança estável anglo-germânica. E a impressão que dá é que os otomanos administraram essa bagunça o melhor possível, com muita corrupção, mas sem fanatismo. Em um dado momento, as chaves da Igreja do Santo Sepulcro (dividida por latinos e ortodoxos) foram dadas para uma família muçulmana, para evitar confusão, e isso deu certo por um bom tempo.

3 - O plano original das potências ocidentais para dividir a Palestina do Mandato Britânico (que é mais ou menos o que se está tentando fazer até agora por lá) era dividir uma parte judaica, uma parte árabe (que iria para a Jordânia - o nacionalismo palestino demorou para ser reconhecido), e Jerusalém seria cidade aberta, sob controle da ONU. Eu tenho imensa simpatia por essa proposta, o que comprova outra tese do autor, que ao longo da história todo mundo que não tinha exército lá era a favor da internacionalização. É uma pena que a proposta tenha realmente caído em descrédito, era a solução óbvia para o problema. Hoje em dia, com a cidade radicalmente dividida, seria mesmo difícil.

Mas talvez o ponto mais assustador seja a progressiva radicalização por cada vez menos espaço: começa com a discussão de como partilhar a Palestina, depois como partilhar Jerusalém, e depois chega-se no ponto em que se discute como dividir o monte do Templo, incluindo seu subsolo e cada metro de seu perímetro. Em nome desse pedacinho, grupos extremistas de ambos os lados já mataram e morreram às pencas.

E no livro tem muito mais coisa. Recomendo enfaticamente.

7 comments:

Skywalker said...

Presidente, preciso da sua ajuda sociológico-bibliográfica. Seguinte, estou procurando um texto do Simmel (tudo leva a crer que é dele), que chama "Le Problème Du Portrait", aparentemente constando do tomo 2 da obra Philosophie de la Modernité, Paris: Payot. Help Please!! Confere a referência ou estou (estamos) comendo bola?

O texto sobre o retrato é para um curso da Suely Kofes que acabou de começar aqui na Uni, direto da Caverna do Dragão!!

Me responde aqui ou no meu blog, se souber, craro...

Many thanks in advance,

Marotta

Na Prática said...

Grande Marotta!

Não conheço esse texto, não, mas tem um negócio em alemão na Internet que parece ser isso: http://socio.ch/sim/por18.htm

E, se não me engano, tem um texto do Simmel sobre o Rembrandt que fala sobre retrato, eu acho.

Anonymous said...

respondendo: eu e dois alunos saímos na porrada, literalmente, com cinco caras que cercaram a gente na rua. Bem, foi bater e correr que a gente não é o superman. Quando chegamos no metrô encontramos um monte de mulher chorando porque haviam sido recém assaltadas pelos tais. Essa semana eu não vi mais nada mas também estou de férias e não tenho andado à noite ali, onde tem ocorrido as escaramuças. De dia eu fui dar uma prova final e entregar relatórios, estava tudo tranquilo. Na semana após o pan, toda noite sem exceção estavam ocorrendo assaltos nos arredores da universidade, especialmente em cima das alunas. Não preciso dizer que a polícia sumiu depois do Pan né?

Anonymous said...

tá bem, eu caí na tentação de valorizar as nossas habilidades marciais coletivas. Eram quatro. E a gente bateu nos dois da frente pra abrir caminho pra correr, ao invés de ficar o pé e lutar que nem os 300 de esparta. Mas estamos vivos. É o que vale, não?

Anonymous said...

pensando bem, eram três.
ahaha não. Sacanagem minha.

Anonymous said...

Pictor, conta essa estória por completo, por favor! Onde você ensina?
Presidente, um amigo me contou um troço interessante: na Igreja do Santo Sepulcro até as capelas são divididas, não apenas entre católicos e ortodoxos, mas até mesmo entre grupos católicos: dominicanos, franciscanos, etc. Pelo que ele disse a divisão é explícita e ostensivamente demarcada, com paredes e grades erguidas entre os nichos nas paredes. Não sei se procede, mas é chocante mesmo.

Na Prática said...

Pictor, agora sei porque você anda por aí vestindo armadura. Se bem que se os comentários continuassem, logo viraria algo como "bom, na verdade, eram duas velhinhas, e fomos nós que batemos nelas com maças medievais, mas que elas estavam com cara de que iam aprontar, estavam". :)

Majestade, permita-me discordar. Aguentar a oposição enquanto se tem poder é chato, mas, quando se tem poder, as mulheres querem dar pra você, os empresários querem te dar dinheiro, os jornalistas puxam seu saco em particular (mesmo que te critiquem em público), você tem infinitas possibilidades de sacanear os caras da oposição, todo mundo quer publicar seu livro, tirar foto com você, e qualquer merda que você diga é saudada como uma grande revelação por um exército de puxa-sacos que têm habilidade suficiente para parecer que estão sendo profundamente sinceros.

Quando você perde o poder, tem um lado chato, que é saber que não vai ter mais nada disso. Mas o insuportável, mesmo, é saber que O OUTRO CARA agora tem tudo isso. Isso seria horrível pra você, pra mim, mas pros caras que vivem disso, e que são viciados na coisa a ponto de fazer o Hendrix parecer abstêmio, é um sofrimento infernal.

E, pelo que eu entendi do livro, a Igreja do Santo Sepulcro é mesmo totalmente dividido. Tem uma história de uma revolta de frades católicos (acho que franciscanos) porque os Armênios acenderam uma vela na Igreja no lugar errado. Teve uma estrela de prata que sumiu (pois é) e começou uma briga sobre quem ia repor (os direitos de propriedade eram, por tradição, associados a quem conduzia reparos nas construções). Que beleza.