O autor é um dos caras da turma do Euston Manifesto (clique na imagem ao lado), que critica a esquerda contemporânea por sua complacência com o autoritarismo islâmico e seu anti-ocidentalismo vulgar. O livro é sobre isso: sobre o processo pelo qual boa parte da esquerda radical passou a apoiar o fundamentalismo islâmico (sem dúvida nenhuma, um movimento de extrema-direita), e como esse movimento acabou se refletindo no pensamento da esquerda mainstream. Mais importante, é sobre o fracasso da esquerda ocidental em demonstrar solidariedade internacionalista com os militantes da esquerda democrática no Iraque e na Palestina, para não falar de Cuba e da China.
Cohen, diga-se logo de início, apoiou a guerra do Iraque (nós não apoiamos), inspirado pela esquerda iraquiana no exílio. Reconhece que a guerra foi mal conduzida e que a situação atual é um desastre, mas sente vergonha por militantes de esquerda que, mesmo que, legitimamente, tenham sido contra a guerra, se recusaram a apoiar a nova esquerda democrática iraquiana e apoiaram, ou foram neutros, com relação à insurgência restauracionista facista. O livro coleta várias histórias de militantes socialistas perseguidos por Saddam, incluindo a heróica oposição sindical clandestina iraquiana, e apresenta seus argumentos a favor da guerra. Mas também apresenta os dois melhores argumentos contra a guerra, que reconhece como fortes: o de Michael Walzer, que temia os efeitos sobre o sistema internacional, e o manifesto do dramaturgo chileno Ariel Dorfman, que é tão bom (e expressa tão bem nossa própria posição) que vou tentar achar inteiro e citar aqui.
O livro é, para começo de conversa, espetacularmente bem escrito, com ironia na melhor tradição britânica. Em um ponto, por exemplo, Cohen narra o episódio em que alguém abriu um tópico no chat do The Guardian com o título
"Nick Cohen e David Aaranovitch [outro jornalista de esquerda e judeu que apoiou a guerra] podem transformar um bom homem em anti-semita."
Diz o Cohen: "uma comentarista não aguentou o caráter evidentemente preconceituoso do título, e exigiu que fosse mudado para
"Nick Cohen e David Aaranovitch [outro jornalista judeu de esquerda que apoiou a guerra] podem transformar um bom homem OU UMA BOA MULHER em anti-semita."
O livro faz várias coisas: traça a origem da atual indiferença com relação ao sofrimento de esquerdistas e feministas no Terceiro Mundo nas teorias relativistas pós-modernas ( em uma citação, um maluco diz que é hipocrisia criticar o incêndio de esposas vivas na Índia enquanto as feministas ocidentais se calam - ??? - diante da violência doméstica nos EUA), mostra Chomsky passando vergonha negando a existência dos campos de concentração durante a guerra da Bósnia ("as fotos foram forjadas"), mostra o partido comunista inglês passando vergonha durante a segunda guerra minando o esforço de guerra até a invasão da URSS, mostra o pessoal do círculo de Bloomsbury (em especial a Virginia Woolf) fazendo feíssimo e amarelando feio diante do nazismo, com argumentos muito parecidos com os atualmente utilizados para recusar apoio aos iraquianos. Coisa feia: a turma da New Left review, Edward Said, Tariq Ali e companhia abandonam na maior um militante iraquiano anti-Saddam, que apoiavam até outro dia, assim que os EUA se voltam contra Saddam.
Há páginas e mais páginas dedicadas a mostrar o lado mais patético da extrema esquerda, desde o caso de George Healy, líder do partido dos trabalhadores revolucionários socialistas, que terminou a vida como pau-mandado pago pelo Saddam (tal como o MR-8 brasileiro) e denunciado por estuprar as militantes do próprio partido (ah, bom). Mostra o atual prefeito de Londres, Ken Livingstone, festejando teólogos que defendem o assassinato de homossexuais, e dizendo, no funeral do tal do Healey, que as denúncias eram tudo armação do serviço secreto (aaah, boom).
E, como não poderia deixar de ser, dá uma sacaneada no George Galloway, vagabundo já sacaneado aqui por vestir collant e imitar gatinho no Big Brother da Inglaterra ("Desde muito que Galloway aprendera a rastejar", diz Cohen). Galloway é mostrado dizendo para Saddam que até hoje (final dos anos 90, acho) conhecia famílias que batizavam seus filhos como Saddam (com quem esse cara anda?), e se comportando como uma espécie de Monica Lewinsky dos ditadores árabes em geral. Mais triste ainda, mostra como Galloway, uns partidinhos trotskystas e organizações muçulmanas extremistas assumiram controle do movimento pacifista.
E conclui: temos que deixar de ser vagabundos e apoiar a luta pela democracia, apoiar os heróis que tentam organizar sindicatos em condições extremamente adversas, como o Zimbabwe de Mugabe, o Iraque durante a ocupação, etc. A esquerda não é uma família unida em que alguns membros - a extrema esquerda - de vez em quando cometem excessos. Esses caras são adversários, piores do que os da direita democrática. É preciso resgatar os ideiais internacionalistas que sempre inspiraram a esquerda, e resgatá-la das garras da política da identidade particularista (velho instrumento facista). Devemos apoiar a independência palestina e combater o Hamas, devemos apoiar a independência iraquiana e ajudar a destroçar a Al Qaeda.
Ainda vou comentar mais esse livro outra hora. Mas a sensação de alívio ao lê-lo foi imensa. Pode haver algum excesso, mas não resta dúvida de que a turma criticada pelo Cohen predominou nos últimos anos na discussão de esquerda, e que os resultados foram péssimos. Eu entrei para a esquerda para redistribuir renda, não para apoiar o direito dos muçulmanos assassinarem seus apóstatas. Até porque, se os fundamentalistas ganharem, eu sei que, na fila do fuzilamento, eles me mandam antes do Bush, com quem, inevitavelmente, conseguirão fazer acordo.
PS: não sei porque, esse post saiu com espaço menor. Se alguém souber como resolver me avise.
Cohen, diga-se logo de início, apoiou a guerra do Iraque (nós não apoiamos), inspirado pela esquerda iraquiana no exílio. Reconhece que a guerra foi mal conduzida e que a situação atual é um desastre, mas sente vergonha por militantes de esquerda que, mesmo que, legitimamente, tenham sido contra a guerra, se recusaram a apoiar a nova esquerda democrática iraquiana e apoiaram, ou foram neutros, com relação à insurgência restauracionista facista. O livro coleta várias histórias de militantes socialistas perseguidos por Saddam, incluindo a heróica oposição sindical clandestina iraquiana, e apresenta seus argumentos a favor da guerra. Mas também apresenta os dois melhores argumentos contra a guerra, que reconhece como fortes: o de Michael Walzer, que temia os efeitos sobre o sistema internacional, e o manifesto do dramaturgo chileno Ariel Dorfman, que é tão bom (e expressa tão bem nossa própria posição) que vou tentar achar inteiro e citar aqui.
O livro é, para começo de conversa, espetacularmente bem escrito, com ironia na melhor tradição britânica. Em um ponto, por exemplo, Cohen narra o episódio em que alguém abriu um tópico no chat do The Guardian com o título
"Nick Cohen e David Aaranovitch [outro jornalista de esquerda e judeu que apoiou a guerra] podem transformar um bom homem em anti-semita."
Diz o Cohen: "uma comentarista não aguentou o caráter evidentemente preconceituoso do título, e exigiu que fosse mudado para
"Nick Cohen e David Aaranovitch [outro jornalista judeu de esquerda que apoiou a guerra] podem transformar um bom homem OU UMA BOA MULHER em anti-semita."
O livro faz várias coisas: traça a origem da atual indiferença com relação ao sofrimento de esquerdistas e feministas no Terceiro Mundo nas teorias relativistas pós-modernas ( em uma citação, um maluco diz que é hipocrisia criticar o incêndio de esposas vivas na Índia enquanto as feministas ocidentais se calam - ??? - diante da violência doméstica nos EUA), mostra Chomsky passando vergonha negando a existência dos campos de concentração durante a guerra da Bósnia ("as fotos foram forjadas"), mostra o partido comunista inglês passando vergonha durante a segunda guerra minando o esforço de guerra até a invasão da URSS, mostra o pessoal do círculo de Bloomsbury (em especial a Virginia Woolf) fazendo feíssimo e amarelando feio diante do nazismo, com argumentos muito parecidos com os atualmente utilizados para recusar apoio aos iraquianos. Coisa feia: a turma da New Left review, Edward Said, Tariq Ali e companhia abandonam na maior um militante iraquiano anti-Saddam, que apoiavam até outro dia, assim que os EUA se voltam contra Saddam.
Há páginas e mais páginas dedicadas a mostrar o lado mais patético da extrema esquerda, desde o caso de George Healy, líder do partido dos trabalhadores revolucionários socialistas, que terminou a vida como pau-mandado pago pelo Saddam (tal como o MR-8 brasileiro) e denunciado por estuprar as militantes do próprio partido (ah, bom). Mostra o atual prefeito de Londres, Ken Livingstone, festejando teólogos que defendem o assassinato de homossexuais, e dizendo, no funeral do tal do Healey, que as denúncias eram tudo armação do serviço secreto (aaah, boom).
E, como não poderia deixar de ser, dá uma sacaneada no George Galloway, vagabundo já sacaneado aqui por vestir collant e imitar gatinho no Big Brother da Inglaterra ("Desde muito que Galloway aprendera a rastejar", diz Cohen). Galloway é mostrado dizendo para Saddam que até hoje (final dos anos 90, acho) conhecia famílias que batizavam seus filhos como Saddam (com quem esse cara anda?), e se comportando como uma espécie de Monica Lewinsky dos ditadores árabes em geral. Mais triste ainda, mostra como Galloway, uns partidinhos trotskystas e organizações muçulmanas extremistas assumiram controle do movimento pacifista.
E conclui: temos que deixar de ser vagabundos e apoiar a luta pela democracia, apoiar os heróis que tentam organizar sindicatos em condições extremamente adversas, como o Zimbabwe de Mugabe, o Iraque durante a ocupação, etc. A esquerda não é uma família unida em que alguns membros - a extrema esquerda - de vez em quando cometem excessos. Esses caras são adversários, piores do que os da direita democrática. É preciso resgatar os ideiais internacionalistas que sempre inspiraram a esquerda, e resgatá-la das garras da política da identidade particularista (velho instrumento facista). Devemos apoiar a independência palestina e combater o Hamas, devemos apoiar a independência iraquiana e ajudar a destroçar a Al Qaeda.
Ainda vou comentar mais esse livro outra hora. Mas a sensação de alívio ao lê-lo foi imensa. Pode haver algum excesso, mas não resta dúvida de que a turma criticada pelo Cohen predominou nos últimos anos na discussão de esquerda, e que os resultados foram péssimos. Eu entrei para a esquerda para redistribuir renda, não para apoiar o direito dos muçulmanos assassinarem seus apóstatas. Até porque, se os fundamentalistas ganharem, eu sei que, na fila do fuzilamento, eles me mandam antes do Bush, com quem, inevitavelmente, conseguirão fazer acordo.
PS: não sei porque, esse post saiu com espaço menor. Se alguém souber como resolver me avise.
2 comments:
Exposição sólida como uma rocha (ah booom!), não? E isso porque o livro não falou das aventuras da esquerda latinoamericana com Poison "Ivy" Morales e Hugo "Chapolin" Chaves. É a metáfora do Anakin. Tudo bem que o Palpatine é mau, mas e essa merda desse conselho jedi fora de sintonia com os tempos? O cara tinha que mudar de lado.
Isso me faz pensar que talvez o materialismo dialético seja caquinha de criança perto dos grandes expoentes do helenismo. Considere Políbio: "A tendência da aristocracia é transformar-se em democracia pelas suas contradições internas e pelo ódio do povo aos aristocratas. A tendência da democracia (depois que algumas gerações se passaram e o povo esqueceu como a aristocracia era ruim) é regredir à animalidade, após o que aparece um ditadorzinho e o ciclo recomeça". Citei de maneira muito vagabunda, mas a idéia é essa. E pode tirar as aspas.
Ave Quintus!
Não sei não, mas acho que esse tal de Políbio tem futuro, mande um abraço pro garoto. Quanto ao Chávez e sua turma, também pensei nisso lendo o livro, que faltava alguém fazer uma coisa parecida com a esquerda latino-americana (eu acho que o Ruy Fausto saberia fazer, porque não faz eu não sei).
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