Inspirado na pergunta do RDC: a graduate tax é um imposto cobrado dos alunos de universidade pública que, depois de formados, alcancem um certo nível de renda. Há várias versões da proposta, mas a que me parece mais interessante é a graduate contrubution, que é cobrada apenas por um tempo limitado de tempo. A experiência de política semelhante mais bem-sucedida do mundo é a da Austrália.
As várias formas de graduate tax (ou graduate contributions) tentam conciliar três princípios:
1) Uma enorme parte da desigualdade de renda é causada pelas desigualdades educacionais, mas o acesso à universidade ainda é, mesmo em países europeus que oferecem universidade gratuita aos seus cidadãos, fortemente condicionado pela origem de classe dos alunos (a exceção, se não me engano, é a Suécia, onde essa desigualdade caiu bastante nas últimas décadas). Isso quer dizer que a educação superior potencializa desigualdades pré-existentes: quem consegue conclui-la é o sujeito com mais dinheiro, que se distancia ainda mais da média da população por ter obtido seu diploma. Dado que, seja por subvenção seja por isenção fiscal, grande parte da educação é patrocinada pelo gasto público, é preocupante que dinheiro dos contribuintes faça a desigualdade crescer: na prática, os contribuintes pobres pagam para que os contribuintes ricos aumentem sua vantagem sobre eles. Naturalmente, uma das frentes para se combater o problema é procurar facilitar o acesso de mais pobres à universidade (o que, o exemplo sueco parece sugerir, depende inclusive de reduzir a insegurança econômica dos pais, o que libera os filhos a ficarem sem trabalhar durante a faculdade). Mas outra maneira de lidar com isso é taxar os universitários pela vantagem de mercado individual obtida com ajuda do gasto público coletivo. O dinheiro assim arrecadado poderia ser reinvestido na universidade, fazendo com que mais pobres possam cursá-las.
2) A cobrança de mensalidades, longe de resolver o problema, agrava-o, pois o acesso de estudantes pobres se torna ainda mais difícil. Naturalmente, se todos os custos da educação superior forem cobertos pelas mensalidades (isto é, sem dinheiro público envolvido de nenhuma forma), poder-se-ia argumentar que a graduate tax seria injusta. Mas a educação 100% financiada por mensalidades é muito rara, e impossível em áreas onde a pesquisa é muito cara e os retornos profissionais comparativamente baixos (como na pesquisa básica). Portanto, se a USP, por exemplo, cobrasse mensalidades, elas jamais cobririam todos os gastos, e o subsídio restante seria distribuído de maneira mais injusta ainda do que hoje, visto que os alunos pobres não poderiam pagar. Isto se dá por um motivo simples, que é a distinção crucial entre a graduate tax e a mensalidade: a mensalidade é paga PELOS PAIS DO ALUNO, o que faz com que a origem de classe seja um determinante de sucesso crucial. A Graduate tax é paga PELO ALUNO, SE ELE SE DER BEM NO MERCADO, o que reduz muito (mas não totalmente, visto que os pais podem ajudá-lo) o peso do fator origem.
Um exemplo que eu conheço bem: eu. Eu (e, com boa probabilidade, você que está lendo) nasci em uma família nos 5% mais ricos do Brasil (o Brasil é tão desigual que o limite do 5% não é tão alto, não), e estudei em colégio particular (meio ruim, mas particular). Por isso, e por ser bom aluno, passei para uma universidade pública, onde fiz também mestrado. Depois consegui uma bolsa de estudos do governo para fazer doutorado no exterior.
Comparemos minha situação com a de um contemporâneo meu que tenha nascido na Rocinha, mas que também fosse bom aluno. Por melhor que fosse, não teria passado na mesma universidade que eu, o que garante que não passou no mesmo mestrado e nem, muito menos, ganhou a bolsa para o doutorado. Mas nós dois contribuímos para pagar a universidade e financiar o CNPq (segundo nossa renda, o que é o único critério justo).
Ou seja: quando nós terminamos o segundo grau eu devia ter uns 30%, 40% de qualificação a mais que o cara. Quando eu terminei a UNICAMP, já tinha 300%, 400% a mais, e, se o meu São Benedito me der uma força e eu conseguir acabar o doutorado, terei, tranquilamente, mais que dez vezes seu potencial de renda. A beleza da coisa, do meu ponto-de-vista, é que ele ajudou a pagar para que eu ganhasse essa vantagem sobre ele.
A educação é um bem posicional: seu valor de mercado depende de quão educados são seus competidores no mercado de trabalho (quando quase ninguém tinha curso primário, ter o secundário dava uma bela grana, etc.). Portanto, não parece muito razoável que um sujeito me pague para ganhar dele em um jogo em que eu já saí com vantagem.
Vale notar, é fundamental que a taxa só seja cobrada de quem realmente passar a ganhar bem em função de seu diploma: se o cara ficar desempregado, ou se ganhar muito pouco, não deve pagar nada. Se não for assim, o estudante pobre não poderá correr o risco de fazer o curso, pois não saberá se poderá pagar depois. Na Austrália, aparentemente, esse desestímulo não ocorreu.
Naturalmente, há várias formas de implementar essa proposta. A taxa pode ser vitalícia, ou só pelo tempo necessário para pagar o que o aluno custou (minha opção seria essa), pode ser a mesma para todo mundo a partir de um certo nível de renda ou pode ir se tornando progressiva, pode ser maior ou menor, etc. Um resumo das alternativas pode ser encontrado
nesse paper do governo britânico.
No Brasil, houve uma proposta parecida com essa, apresentada pela deputada
Selma Schons, do PT do Paraná. Como vocês podem perceber, não fez muito sucesso.