Thursday, June 23, 2005

Repetição como Farsa

Dos Andes até Chiapas, movimentos populistas se revestem da superestrutura estética do socialismo para angariar apoio popular para causas que nada têm a ver com o socialismo clássico: as formas mais tacanhas de nacionalismo, preconceito anti-americano, populismo anti-democrático, irracionalismo, etc.

O bolivarianismo, defendido por Hugo Chávez, pelas FARCs, e outros movimentos neopopulistas, escapa do problema da falência econômica do projeto socialista por que se sustenta em mercados globais altamente imperfeitos, que geram lucros exorbitantes: o petróleo e a cocaína, que, mesmo se produzidos ineficientemente, dão dinheiro.

Com base nisso, justificam a tomada do poder por grupos populistas que manipulam as imperfeições da democracia latino-americana: a sub-representação dos grupos indígenas, a desigualdade de renda, o patrimonialismo estatal, etc.

A novidade é que também se utilizam de todo um arsenal político e cultural que estava em desuso desde a crise do socialismo: os comitês de defesa bolivarianos de Chávez, a aproximação com Cuba, o culto do camponês (que, nas grandes revoluções socialistas, foi massacrado como ninguém havia sido massacrado antes na história da humanidade), o anti-americanismo (que não faz nenhum sentido fora da estratégia de defesa da política externa soviética). Graças a isso, exercem fascínio nos socialistas mais saudosistas, que entretanto sentiriam profunda repulsa se parassem para refletir sobre a natureza do bonapartismo chavista.

O que chama atenção nesses movimentos é que aparentemente a identidade nacional nos Andes está em uma profunda crise: se não estivesse, o bolivarianismo não encontraria solo fértil: lembremos que o socialismo nunca venceu em país com questão nacional resolvida, sendo sempre consequência de guerras perdidas (Rússia, em parte China) ou do esfacelamento de impérios (todo o resto, mesmo nos países invadidos da Europa Oriental). Seria interessante entender os antecedentes dessa crise. Por enquanto, ainda não encontrei nenhum bom estudo sobre isso.

O socialismo sem dúvida merecia terminar, mas não sei se merecia servir de fachada ideológica para esse tipo de coisa. Não enterraram a múmia de Lenin a tempo, e agora ela serve como boneco de ventríloquo para toda espécie de estelionato.

4 comments:

Anonymous said...

Boa percepção essa sua sobre o sucesso da retórica socialista em países com a questão nacional não (ou mal) resolvida. Talvez essa retórica, na verdade, tenha sido um elemento agregador de lutas cujas questões eram, em realidade, questões de definição da nacionalidade. O anti-americanismo e a denúncia do imperialismo foram ótimos álibis para eleger "inimigos externos" da nação, além de uma eficaz justificativa ideológica para que direções pretensamente revolucionárias massacrassem seus "inimigos internos" (vide Fidel...).

No entanto isso ainda não responde uma questão: estariam os países andinos ainda definindo suas questões nacionais como, por exemplo, organizando internamente os acordos de participação de minorias étnicas na forma de um Povo? Embora alguns países de fato ainda disputem fronteiras (Peru), e a situação de sua população ser economica e política lamentáveis, eu ainda não sei se é só isso: com exceção dos EUA e da Inglaterra, há alguma questão nacional totalmente resolvida hoje? Nem por isso a retórica socialista, em sua forma autoritária, venceu mundo afora. Também não saberia responder estas perguntas.

Pedro Pablo said...

podemos entender que el actual socialismo bolivarianista no es verdaderamente socialismo, y el otro socialismo, el de lula, de kirchner, de tabare y/o de lagos está aún mucho más lejano de serlo(socialismo neoliberal), pero esto nos abre la interrogante a...


hay espacio hoy para ese socialismo? o ese socialismo de verdad..es una respuesta de vanguardia?

Anonymous said...

Caro Renato,

Você tem razão, não sei as causas da crise Andina. Mas me parece que há mesmo uma crise de identidade, cujos casos mais claros parecem ser a Bolívia (pela questão étnica) e o México (pelo NAFTA).

É claro que também há o efeito contágio: uma vez estabelecido o Chavismo, o bolivarianismo recebe apoio financeiro do governo venezuelano em outros lugares, por exemplo.

Mas ainda falta uma explicação satisfatória.

Anonymous said...

Caro Pedro Pablo,

Desculpe não saber responder em espanhol. Bem, na verdade não acho mesmo que o socialismo seja ainda defensável. Acho que a economia de mercado regulada, a velha social-democracia, resolveria os problemas que podemos esperar que a política resolva (que não são todos, nem mesmo tantos como normalmente se pensa).