Monday, June 13, 2005

Guerra do Paraguai

Livraço: Maldita Guerra, de Francisco Doratioto, sobre a guerra do Paraguai. Mostra o conflito como parte do processo de construção dos Estados Nacionais na região. Enfatiza como o conflito tem origem local, não nas manipulações do imperialismo inglês, no que é muito convincente.

Também é oportuno ao desmistificar a idéia de que Solano López era um líder anti-imperialista. O livro mostra como López (tal como D. Pedro II ou Bartolomeu Mitre, da Argentina, ou Venâncio Flores, do Paraguai) simplesmente jogaram o jogo estratégico que a realidade lhes impôs.

Na Argentina, havia intensos conflitos entre Buenos Aires e as províncias. Na guerra civil do Uruguai, uma facção (os colorados) se alinhou com Buenos Aires , outra (os blancos) com as províncias. No sul do Brasil, o Rio Grande do Sul protestava contra o anti-brasilianismo da facção 'blanca' uruguaia, então no poder, e o governo do Rio de Janeiro temia uma nova tentativa separatista. O governo do Uruguai tenta então compor uma aliança envolvendo as províncias argentinas e o Paraguai. Dá errado, as províncias argentinas não se revoltam como esperava, e os colorados tomam Montevidéu graças ao apoio militar brasileiro. Forma-se então um eixo, consagrado na tomada de poder pelos colorados em Montevidéu, envolvendo a Argentina e o Brasil.

Se López se destaca por alguma coisa, é por ter insistido em mandar seu povo para o sacrifício quando era evidente que não tinha mais a menor chance de vitória. O que, aliás, ocorreu logo no início da guerra, quando fica claro que Brasil, Argentina e Uruguai vão à guerra juntos. Mesmo assim, López insistiu por cinco anos, ao longo dos quais o Paraguai foi destruído de cima a baixo.

López também se destaca por um clássico da administração logística: encomendou armas e navios na Inglaterra, mas resolveu invadir o Brasil antes da encomenda chegar. Visto que o Paraguai não tem porto, e os portos disponíveis (Rio, Montevidéu e Buenos Aires) estavam em guerra com ele, a encomenda nunca chegou (apesar de já estar paga).

Se isso foi o máximo de líder anti-imperialista que a América Latina conseguiu produzir, não impressiona que o imperialismo tenha vencido.

6 comments:

Anonymous said...

Esse comentário podia ser a orelha do próximo livro do Eduardo Galeano, inittulado "O Carcará Carca? Maniqueísmo básico para pricipiantes"...;-)

Anonymous said...

O eddie é f...
Seria ainda mais cômico, não fosse o fato trágico de que o Eduardo Galeano, no fim das contas, mantém mesmo uma postura "nacionalista-anti-imperialista-maniqueísta" que dá o tom da maioria dos discursos do Fórum Social Mundial.

Por falar em FSM, quando eles vão mudar o slogan de "Outro mundo é possível" para "Este mundo é possível"? Ou estamos diante de uma versão kardecista do Comunismo?

Anonymous said...

A contribuição do Francisco Doratiotto aponta ainda para dois outros problemas: (1) O quanto há de revisões por serem feitas nas teses historiográficas brasileiras relativas à política e às relações internacionais. Neste caso, trata-se ao mesmo tempo de um problema epistemológico e político: epistemológico, uma vez que a categoria "Imperialismo" é aceita de barato, ainda hoje, para explicar (ou desculpar...) muitas das nossas mazelas econômicas, políticas, ecológicas etc etc e etc. No entanto os arquivos estão aí para passarmos a limpo boa parte do passado - e, creiam, o nosso não é nada agradável.

Político: uma vez que boa parte dos autores que explicaram a Guerra do Paraguai pela tese do "Imperialismo Inglês" transformaram-se em best-sellers acadêmicos, ou seja: qualquer contestação à essa tese implica em comprar uma briga com historiadores e jornalistas que fizeram suas carreiras a partir do argumento do Imperialismo - e estamos falando de Schiavenatto e de Eduardo Galeano - este último transformado em ícone de esquerda no FSM.

De qualquer forma, o retorno à história política empreendido pelo Doratiotto, numa ótima síntese de diversas vertentes historiográficas (história social, crítica historiográfica, história diplomática e militar) é um grande passo na direção de um necessário ajuste de contas da historiografia latino-americana com os seus fantasmas.

(2) É impressionante que somente 20 anos depois do fim da ditadura militar só agora estejamos abrindo os olhos para a quantidade de ressentimentos presentes em nossa historiografia: como é possível contruir uma democracia sem um ajuste de contas com o passado que também inclua a crítica ao senso comum e à história oficial da esquerda? A grande verdade é que a esquerda também desenvolveu uma história oficial do passado que serviu, durante anos, como forma de resistência à violência da ditadura. No entanto, é forçoso perceber que ela não se sustenta mais.

Isso fica claro na análise que Doratiotto empreende da figura do Duque de Caxias: ele não é nem o general divinizado pela ditadura, nem um agente do imperialismo inglês, mas um general conservador que sempre admitiu a subordinação das instituições militares aos governos civis, e que não queria ir para a Guerra. Isto sugere uma questão, que por agora fica em suspenso: se queremos de fato uma democracia, uma história que reavalie o papel do exército ainda está por ser escrita. Ou a democracia não precisa dos militares?

Anonymous said...

Grande Ed!

O Galeano é fogo, mesmo. E se tem um pessoal chato de discutir é o dele. O grau de emotividade do nacionalismo dele é constrangedor, e, faz suspeitar que as causas em questão não resistiriam ao exame racional (o que, aliás, nem sempre é o caso).

Quanto à competência militar do López, o mais bonito ainda é que ele não apenas pagou uma boa parte do preço e não levou: começada a guerra, o Brasil foi na Europa, pagou o que faltava e levou os navios para invadir o Paraguai.

Anonymous said...

Grande Renato!

Concordo em gênero, número e grau. Muito boa sua leitura do Doratioto, aliás vou ver depois se o cara escreveu mais alguma coisa.

Quanto à questão da incorporação das relações internacionais nas análises historiográficas, estou mais de acordo ainda. Não só por que a causalidade entre cenário estratégico e contexto interno é muitas vezes evidente, mas também por que há reflexões sobre sociedade produzidas nos departamentos de relações internacionais que são interessantíssimas. E quase ninguém nas ciências sociais braslieiras sabe, por exemplo, o que é o debate entre realistas e construtivistas. Isso apesar de um dos teóricos do realismo ser também autor de uma famosa introdução à história, o Carr.

A única hora, naturalmente, em que se fala de contexto internacional é na hora de analisar regimes de esquerda. Cuba, por exemplo, aparentemente não tem estrutura social: tudo o que acontece lá dentro que não sejam estatísticas sobre alfabetização e saúde foi causado pelo bloqueio econômico imperialista.

Anonymous said...

A propósito, eu acho que vai ser uma grande coisa quando o slogan do FSM for "Eu moro neste mundo".