Monday, April 23, 2007

Yeltsin bateu as botas

Tanto mamou que morreu, o Yeltsin. Para quem quiser ler sobre a (inegável) bravura demonstrada pelo cara durante o golpe de 1991, leia o obituário da The Economist. Aqui vamos falar de outra coisa: da catástrofe que se abateu sobre a Rússia no começo dos anos 90.

A perestroika deu errado, e foi completamente incapaz de instaurar mecanismos de mercado (como a Hungria havia feito em 1968, a Iugoslávia fazia mais tempo) na URSS. Entretanto, causou uma absoluta perda de controle por parte do centro planificador, e cada empresa foi tentar se virar na base da ignorância. Os trabalhadores aumentaram seus próprios salários, os gerentes venderam bens da empresa para si mesmos, mas o governo continuou subsidiando as empresas. No caos que se seguiu, Gorbachev caiu, e o país acabou.

Yeltsin assumiu e resolveu fazer a mesma coisa que havia sido feita na Polônia: uma dramática liberalização de preços de uma hora para outra. Não foi tão dramática quanto na Polônia, mas deu errado por outro motivo: porque o Estado continuou fraco demais para interromper o fluxo de subsídios. As medidas monetaristas de Yeltsin só tiveram como resultado a conversão da economia russa em economia de escambo por alguns anos. Não havia moeda em circulação para cumprir as obrigações financeiras, mas ninguém interrompeu esses fluxos: ninguém cobrou as dívidas, ninguém deixou de emprestar para quem não pagava, mas, na falta de dinheiro, subsidiou-se e emprestou-se em espécie. Naturalmente, só se ferrou quem vivia de salário: o funcionalismo público (quer dizer, todo mundo) ficou meses sem receber, os salários atrasaram para grandes contingentes da população por vários meses.

Resultado disso tudo: catástrofe humanitária. A maior queda de expectativa de vida da população masculina já registrada em tempos de paz, aumento da desigualdade para níveis latino-americanos (caiu um pouco no final da década). Crescimento absurdo da pobreza. Queda do PIB à metade.

É a situação que ficou conhecida como sub-reforma: o velho sistema se desintegra e, na confusão, alguns malandros enchem o bolso. Depois esses mesmos malandros emperram a reforma, e o país fica preso no meio do caminho entre os dois sistemas, no pior de dois mundos.

Falando em alguns malandros: em 1996, o país indo para o caralho, Yeltsin enfrenta o comunista Zyuganov na eleição presidencial. Parece que o comunista vai ganhar. George Soros diz para os novos banqueiros russos, em um desses encontros internacionais de financistas, que "a festa acabou, rapazes". Mas não tinha acabado, não. Yeltsin e os novos milionários - os "oligarcas" - fecham um acordo que faz a privatização brasileira parecer Jesus repartindo pão entre os discípulos: o "loans-for-shares". O estado russo estava absolutamente quebrado, basicamente, porque nenhum desses caras ricos pagava imposto (nenhum imposto). Então eles propuseram para o Yeltsin: nossos meios de comunicação (os únicos que existiam) apóiam você e a gente te empresta uma graninha. Se você não pagar, você entrega pra gente as jóias da coroa, as grandes empresas de gás, petróleo, mineração, etc., que ainda não haviam sido privatizadas. Eles apoiaram, Yéltsin ganhou (até porque Zyuganov era tosco, mesmo), e, vejam só, não pagou.

A beleza da coisa está na desproporção entre a grana emprestada e o valor das empresas adquiridas. Vejam só alguns casos:

Mikhail Khodorkovsky (atualmente preso) pagou 300 milhões de dólares pela Yukos, avaliada em 8-10 bilhões. Isto é, pagou, se tanto, uns 4% do preço.

Boris Berezhovsky, grande corintinano, pagou 100 milhões pela Sibneft, avaliada em 6 bilhões de dólares. Isto é, pagou 1,6% do preço.

Enquanto isso, a farra continuava no mercado financeiro, com os fundos GKO dando lucros altíssimos. O mais bonito é que, até bem perto da crise de 1998, poucas pessoas podiam comprar esses títulos. Quando estava pra quebrar a porra toda, liberaram pra todo mundo. Quando veio a crise, foi aquela beleza.

Quem quiser entender a popularidade atual de Putin, sem dúvida um sujeito autoritário, deve sempre ter em mente o que veio antes, que é o que a população russa tem para comparar.

1 comment:

Anonymous said...

Ou seja, basicamente, sob o efeito da "mardita" cachaça, o Yeltsin levou seu país ao maior nível de desigualdade de renda da sua história contemporânea! Mais uma vez fica, então, o bom recado dos nosso glorioso Ministério dos Transportes: "SE BEBER, NÃO DIRIJA!" (no caso do Yeltsin, NÃO GOVERNE!).

Aliás, será que o Lula também se aproveita bastante da "mardita", como parte da nossa porca imprensa diz? Se sim, é por isso que indicou seu detrator, o glorioso Mangabeira "sotaque ianque de merda" Unger!

E viva o PAC - Programa de Aceleração da Cachaça!