Um troço de que ninguém mais fala é a comemoração dos 500 anos, de (dã) 2000. Eu acho que ela foi um dos maiores fiascos da história brasileira.
Comparem com o centenário da abolição: uma porrada de livros famosos sobre a escravidão foi lançada nessa época, e o debate (UNICAMP, UFF x USP, etc.) foi bem bom. O movimento negro fez bastante agitação, como deveria. Enfim, a data (que em si mesma não quer dizer porra nenhuma, é só um número redondo) foi um momento de reflexão.
Agora vejam os 500 anos, e esqueçam a excepcional exposição em SP. O que foi o debate em torno disso? À esquerda, uma gritaria sobre o genocídio de índios (principalmente) e negros. E à direita, o ministro do Turismo (onde estava Weffort?), Rafael Greca, construindo uma caravela que afundou (o que até que foi engraçado). O único livro interessante publicado na época foi o do Luis Felip Alencastro, que, na verdade, era um herdeiro da safra anterior sobre escravidão. Os grandes livros sobre o Brasil, Caio Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Faoro, não tiveram nem mesmo pálidos reflexos. O grande best-seller era o Eduardo Bueno, um cara que, segundo ele mesmo, na vida passada era uma Araucária.
A impressão que se tinha era a seguinte: ainda se estava fazendo oposição ao discurso nacionalista dos militares, que, não sei se vocês notaram, andam meio sumidos. Certo, a idéia do Brasil do "tem tudo pra dar certo" era besteira, mesmo: a Amazônia não tem, ao que parece, petróleo, o Brasil já foi mesmo um grande campo de concentração de africanos, a elite portuguesa era aquela beleza que a gente conhece, os índios foram mesmo dizimados, etc.
Agora, o que faltou explicar era o que exatamente fez com que esta merda toda, no século XX fosse, até a década de oitenta (acho que é isso), o país que mais cresceu no mundo, e, sem dúvida nenhuma, o país sem guerra civil com mais características de país que tem guerra civil, uma das maiores democracias do mundo (Lula, se não me engano, foi o terceiro ser humano mais votado de todos os tempos). Não tem nada pro sujeito se orgulhar aí?
Certo, o Brasil começou como empresa escravista. Mas ainda é isso? Não houve no Brasil um dos mais vigorosos movimentos operários do mundo no final dos anos 70, culminando, inclusive, com a criação do último grande partido de esquerda do mundo? E isso não se deu por que houve, ao mesmo tempo, enorme industrialização capitalista e vigorosa democratização? E, por outro lado, não estariam ambos os fenômenos firmememente enraizados nas lutas das décadas anteriores, e mesmo do século XIX, que é quando efetivamente isso aqui vira um país?
Certo, no momento há uma crise política. O partido de esquerda se meteu pesado em corrupção. E o candidato alternativo parece a caravela do Rafael Greca. Mas será que essa crise não ocorre hoje por que antes de 2002 a esquerda se recusava em pensar a sério sobre um projeto de país, sobre a necessidade de se corrigir a economia que havia emperrado nos anos 80, sobre as grandes possibilidades de se promover a justiça social uma vez que ela mesma, esquerda, se livrasse da bagagem socialista (o que, miraculosamente, ela fez)?
Será que a desilusão de hoje não se deve ao infantilismo de ontem? Era mesmo para botar fogo em tudo, não havia nada que se desejasse preservar da obra de nossos antepassados?
O Brasil não tinha tudo para ser a Suécia. O Brasil tinha tudo para ser Ruanda. Que seja parecido o suficiente com a Suécia para sentir vergonha na comparação deve ser motivo de grande orgulho.
No que vai dar a crise, naturalmente, não sei. Agora, quem desanimar por causa, disso, porra, é por que era um merdinha mesmo, que, se não fosse por isso, desanimaria por outra babaquice qualquer.
Friday, September 08, 2006
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