Tuesday, July 03, 2007

Graduate Tax

Inspirado na pergunta do RDC: a graduate tax é um imposto cobrado dos alunos de universidade pública que, depois de formados, alcancem um certo nível de renda. Há várias versões da proposta, mas a que me parece mais interessante é a graduate contrubution, que é cobrada apenas por um tempo limitado de tempo. A experiência de política semelhante mais bem-sucedida do mundo é a da Austrália.

As várias formas de graduate tax (ou graduate contributions) tentam conciliar três princípios:

1) Uma enorme parte da desigualdade de renda é causada pelas desigualdades educacionais, mas o acesso à universidade ainda é, mesmo em países europeus que oferecem universidade gratuita aos seus cidadãos, fortemente condicionado pela origem de classe dos alunos (a exceção, se não me engano, é a Suécia, onde essa desigualdade caiu bastante nas últimas décadas). Isso quer dizer que a educação superior potencializa desigualdades pré-existentes: quem consegue conclui-la é o sujeito com mais dinheiro, que se distancia ainda mais da média da população por ter obtido seu diploma. Dado que, seja por subvenção seja por isenção fiscal, grande parte da educação é patrocinada pelo gasto público, é preocupante que dinheiro dos contribuintes faça a desigualdade crescer: na prática, os contribuintes pobres pagam para que os contribuintes ricos aumentem sua vantagem sobre eles. Naturalmente, uma das frentes para se combater o problema é procurar facilitar o acesso de mais pobres à universidade (o que, o exemplo sueco parece sugerir, depende inclusive de reduzir a insegurança econômica dos pais, o que libera os filhos a ficarem sem trabalhar durante a faculdade). Mas outra maneira de lidar com isso é taxar os universitários pela vantagem de mercado individual obtida com ajuda do gasto público coletivo. O dinheiro assim arrecadado poderia ser reinvestido na universidade, fazendo com que mais pobres possam cursá-las.

2) A cobrança de mensalidades, longe de resolver o problema, agrava-o, pois o acesso de estudantes pobres se torna ainda mais difícil. Naturalmente, se todos os custos da educação superior forem cobertos pelas mensalidades (isto é, sem dinheiro público envolvido de nenhuma forma), poder-se-ia argumentar que a graduate tax seria injusta. Mas a educação 100% financiada por mensalidades é muito rara, e impossível em áreas onde a pesquisa é muito cara e os retornos profissionais comparativamente baixos (como na pesquisa básica). Portanto, se a USP, por exemplo, cobrasse mensalidades, elas jamais cobririam todos os gastos, e o subsídio restante seria distribuído de maneira mais injusta ainda do que hoje, visto que os alunos pobres não poderiam pagar. Isto se dá por um motivo simples, que é a distinção crucial entre a graduate tax e a mensalidade: a mensalidade é paga PELOS PAIS DO ALUNO, o que faz com que a origem de classe seja um determinante de sucesso crucial. A Graduate tax é paga PELO ALUNO, SE ELE SE DER BEM NO MERCADO, o que reduz muito (mas não totalmente, visto que os pais podem ajudá-lo) o peso do fator origem.

Um exemplo que eu conheço bem: eu. Eu (e, com boa probabilidade, você que está lendo) nasci em uma família nos 5% mais ricos do Brasil (o Brasil é tão desigual que o limite do 5% não é tão alto, não), e estudei em colégio particular (meio ruim, mas particular). Por isso, e por ser bom aluno, passei para uma universidade pública, onde fiz também mestrado. Depois consegui uma bolsa de estudos do governo para fazer doutorado no exterior.

Comparemos minha situação com a de um contemporâneo meu que tenha nascido na Rocinha, mas que também fosse bom aluno. Por melhor que fosse, não teria passado na mesma universidade que eu, o que garante que não passou no mesmo mestrado e nem, muito menos, ganhou a bolsa para o doutorado. Mas nós dois contribuímos para pagar a universidade e financiar o CNPq (segundo nossa renda, o que é o único critério justo).

Ou seja: quando nós terminamos o segundo grau eu devia ter uns 30%, 40% de qualificação a mais que o cara. Quando eu terminei a UNICAMP, já tinha 300%, 400% a mais, e, se o meu São Benedito me der uma força e eu conseguir acabar o doutorado, terei, tranquilamente, mais que dez vezes seu potencial de renda. A beleza da coisa, do meu ponto-de-vista, é que ele ajudou a pagar para que eu ganhasse essa vantagem sobre ele.

A educação é um bem posicional: seu valor de mercado depende de quão educados são seus competidores no mercado de trabalho (quando quase ninguém tinha curso primário, ter o secundário dava uma bela grana, etc.). Portanto, não parece muito razoável que um sujeito me pague para ganhar dele em um jogo em que eu já saí com vantagem.

Vale notar, é fundamental que a taxa só seja cobrada de quem realmente passar a ganhar bem em função de seu diploma: se o cara ficar desempregado, ou se ganhar muito pouco, não deve pagar nada. Se não for assim, o estudante pobre não poderá correr o risco de fazer o curso, pois não saberá se poderá pagar depois. Na Austrália, aparentemente, esse desestímulo não ocorreu.

Naturalmente, há várias formas de implementar essa proposta. A taxa pode ser vitalícia, ou só pelo tempo necessário para pagar o que o aluno custou (minha opção seria essa), pode ser a mesma para todo mundo a partir de um certo nível de renda ou pode ir se tornando progressiva, pode ser maior ou menor, etc. Um resumo das alternativas pode ser encontrado nesse paper do governo britânico.

No Brasil, houve uma proposta parecida com essa, apresentada pela deputada Selma Schons, do PT do Paraná. Como vocês podem perceber, não fez muito sucesso.

10 comments:

Anonymous said...

Muito bom, muito interessante.

Anonymous said...

Agora, pensando bem, há um problema na coisa toda, não sei como a Autrália se saiu. Trata-se da desigualdade inicial, se eu, rico e estudante de cursinhos, tenho mais oportunidades de passar pelo exame e:

1. Vou entrar no lugar do cara da Rocinha de qualquer jeito. As vagas são escassas.

2. É uma grande vantagem da contribution tax diminuir a injustiça criada do "pobre paga o pelo rico", mas continua o problema de quem começou em desvantagem de meios educacionais.

Diminuiria a lotação de estudantes de classe-média e ricos nas universidades públicas se simplesmente cobrassem, a preço de mercado, de quem pode. A partir daí, fazer a contribution tax de quem não pode pagar, talvez até dando bolsa para ele não trabalhar no começo, dependendo do caso tb. Simultaneamente, é necessário tornar efetiva a educação básica e secundária para todos através de vouchers (minha sugestão nessa área). Se não for simultâneo, não acho que a coisa anda.

Na Prática said...

Valeu pelos comentários, RDC! Você tem razão em que a graduate tax não resolve o problema do acesso, (a não ser indiretamente, dando mais grana para a universidade criar mais vagas, etc.). Para melhorar o acesso é preciso outras políticas. Ainda estou pensando sobre esse negócio de vouchers, quando tiver chegado a uma conclusão escrevo. Mas parece interessante.

Anonymous said...

"Mas outra maneira de lidar com isso é taxar os universitários pela vantagem de mercado individual obtida com ajuda do gasto público coletivo. O dinheiro assim arrecadado poderia ser reinvestido na universidade, fazendo com que mais pobres possam cursá-las."

Mas a cpmf não foi criada para investir na saúde? Sou contra. O problema de acesso não será resolvido e ninguém vai investir essa "taxa" em porra nenhuma, exceto talvez na compra de deputados no atacado. Os problemas do mundo desenvolvido, devemos deixar para o mundo desenvolvido. Aqui o buraco é mais embaixo. Dou exemplo: acho que a maioria dos pobres pagaria de bom grado a educação dos ricos desde que tivessem a garantia de não levar um tiro nas fuças na entrada da favela.

Estou dizendo que os pobres devam financiar os estudos dos ricos? Claro que não. Só que às vezes eu acho que somos bárbaros germânicos discutindo como financiar um coliseu. Vamos cobrar as taxas e fazer uma grande clareira para Freya e todos ficarão descontentes porque poderiam dado porrada em uns gauleses e mandado eles cortarem as árvores de graça. Coliseu a gente só faz quando se romanizar, se é que vocês entederam a minha metáfora.

Maria said...

Interessante a discussão, de qualquer forma. Mas meio impopular, vamos combinar. Se passar esse post num cartaz e botar no IFCH, correrão lágrimas de sangue das paredes!

O fato é que no caso das três Marias ( as três universidades paulistas) a grana vem curta por conta da imensa sonegação no estado de São Paulo, e da falta de uma legislação específica para determinar quanto do bolo fica pras universidades.

Tem muita sonegação no Brasil. E tem muito desperdício de dinheiro. Acho injusto o moço da Rocinha pagar por mim, por você e por todo mundo, mas tabém acho uma sacanagem eu não saber, como contribuinte, pra onde vai o dinheiro que pago toda vez que compro de um quilo de feijão a uma calcinha preta nas Lojas Americanas! Porque ninguém fala disso?

E outra coisa. Eu acharia mais justo o dinheiro que pago na minha calcinha preta ( ou pro quilo do feijão supracitado) ir pra educação básica. Mas da canetada do ministro e do secretário pra panela da merenda, tem muita gente.

Anonymous said...

por falar em calcinha preta, deve haver alguma coisa no cancioneiro popular de orientação brega a respeito. Vou pesquisar.

Anonymous said...

Valeu pelo post, caro Na prática, a explicação é excelente. É algo para se pensar. Mas como é que fica o fato de que vc, mestre e doutor com um emprego melhor do que a média dos brasileiros, já paga imposto de renda proporcional à sua renda (dã!), e que o percentual de imposto já é progressivo? Teoricamente, não deveria ser esta uma forma de compensar as distorções sociais (ok, que não funciona a gente já sabe!)?

Anonymous said...

Falando em educação, tem um post do sociólogo Simon Schwartzman falando de certos incentivos que não funcionaram. Interessante.

http://sschwartzman.blogspot.com:80/2007/07/pagando-para-passar.html

Na Prática said...

Valeu pelos comentários, galera, isso é que foi post animado!

Fábio, você tocou num ponto importante, que é discutido no paper inglês: como garantir que a grana vai mesmo para as faculdades? Isso precisaria ser fixado por lei, como as porcentagens do ICMS que vão para a universidade paulista.

Grande RDC, vou dar uma olhada no texto do Schwartzman e depois comento, valeu pela dica.

Maria, pode contar que qualquer dia eu vou lá no IFCH falar essas coias e ver o que os moleques respondem. E você colocou o debate realmente sério: será que a gente não devia investir menos em universidade e mais em escola? Bom, o problema seria amenizado com a grana da graduate tax, ou coisa que o valhesse.

Grande Majestade! Eu acho que o imposto progressivo não compensa o fato de que os pobres, apesar de pagarem menos, pagam algo (que lhes pesa proporcionalmente mais), e não ganham nada em troca, visto que não passam na universidade; de uma certa forma, ainda perdem, porque a classe média ganha uma vantagem de mercado adicional sobre eles - embora esse déficit possa ser compensado pelos benefícios de morar em um país onde existem mais médicos, engenheiros, etc.

A conta atual é mais ou menos a seguinte: a gente faz uma vaquinha, com 10 pessoas dando 2 reais, e duas dando 5. Com a grana reunida (3 vezes mais do que as duas últimas pessoas dão sozinhas), os dois que deram 5 comem uma pizza.

Ainda estou pensando sobre esse assunto, valeu pelas idéias aí, galera.

QVINTVS FABIVS PICTOR said...

Na pratica, é fabius e não fábio. E antes que você se confunda de novo, é pictor e não pica. Pictor de pintor, tá? Pictor era um historiador romano que falava para as donzelas na rua "pintas como eu pinto?" Por isso que o clã dos fabii é numeroso.

Mas enfim, eu insisto. A cpmf, por LEI, também devia ir pra saúde e não vai. Como diria o tio Ari Stóteles, é preciso tomar cuidado com as leis que se aprovam, para não desmoralizar a figura da lei.